“O essencial é invisível aos olhos”, Saint-Exupéry
A vida tem sabores, segundo o Lobão ela é doce. Eu já tenho cá minhas dúvidas. Acho que ela tem diversos gostos, cores, texturas e até som, como os melhores pratos, e que o essencial para se viver é como o sal na comida, não se vê, mas é o que realça o sabor, é o que dá a graça. Este ano foi marcado por momentos amargos, doces, salgados e esquisitos como os pratos mais raros. Um dos momentos doces foi ver o filme “O tempero da Vida”. Há tempos que não me identificava tanto com um filme. Compartilho com o personagem principal o amor pela culinária, a paixão pela astronomia, a influência que o avô tem na vida dele, a aversão aos uniformizados, a divisa de nacionalidades e a cativante e infelizmente, muitas vezes sofrida qualidade de sonhar. Quando eu era “niña” minha diversão era ficar em cima de uma cadeira ajudando a vó a cozinhar. Logo depois no colégio fiz o que se podia chamar de “curso de culinária”, e desde então sempre que posso estou inventando algo ou tentando fazer algum prato novo. Agora, depois de ter experimentado os sabores orientais viajando por Istambul a sede pelo novo, por novas misturas e temperos só foi aumentando. Aliás, acho que isso começou depois que descobri as qualidades do molho shoyu, e confesso que hoje em dia só não o utilizo para fazer feijão, no resto tudo vai. Outro maravilhoso programa de infância era a ida clássica ao Planetário, normalmente era o programa de domingo. Viajar pelas estrelas. Conhecer as constelações e suas histórias era fascinante! Histórias de anos-luz de estrelas das quais hoje só vemos a luz o essencial, a estrela mesmo, provavelmente já não está mais lá. Até hoje olho para o céu e ainda busco as constelações, a memória já falha, mas alguma coisa ainda sei, eu acho. Pena que a vida nos afasta de algumas paixões, vou colocar nos objetivos do ano que vem voltar aos estudos sobre as estrelas. Será que vai ser cumprida? Por enquanto penso ainda em 2005, ano que fui uma viajante, e como se diz no filme: “os viajantes que estão indo olham o mapa, os que estão voltando se olham no espelho”. Fui por que há tempos eu olhava o mapa. E voltei pois em algum momento, não sei bem porquê, comecei a me encarar no espelho. Não digo que foi fácil, nessa horas parece mais que comemos algo apimentado e aquilo fica ardendo em toda a garganta por algum tempo depois que comemos. E confesso que a tentação de voltar a olhar o mapa está já presente como um prato que deve ser muito preparado, um pão em processo de fermentação. A verdade é que cada momento tem o seu sabor, e é importante provar, cheirar, ouvir, mesmo que seja para sair correndo pedir um copo d’água. Em um dos momentos mais doces do ano ouvi um amigo budista dizer:”Dedique sua vida ao amor e a comida, que o resto sairá bem”. Não sei se foi Buda quem disse isso, mas creio que está certo. Na vida comece pelas bordas e vá por fatias, não coma o bolo inteiro de uma vez senão chega o tédio e tudo se esgota em pouco tempo. Estou como o personagem principal do filme que depois de muito tempo volta finalmente para Istambul e começa a juntar as sobras de temperos na loja do avô, ele termina por formar a via-láctea aquilo tudo o envolve como os sonhos que tinham sido promessas durante toda a vida, dissipados. E era a partir dali que ele começaria tudo de novo. Era preciso descobrir o que era somente luz e o que era real para poder recomeçar.
OBS: os filmes do ano, segundo minha insignificante opinião, mas juro que vale a pena! “YES”, de Sally Potter e “O Tempero da Vida”. Os dois de belo modo mostram como a política e os conflitos entre os povos podem afetar a vida das pessoas. Assunto que já vale outro texto.
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